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Sobre príncipe e princesas

Estes dias eu e meu marido brincávamos com nossa filha, na época com três anos, de príncipe e princesas quando, ao pedido da nossa pequena, eu e ela fingimos adormecer como a Cinderela e ela ordenou ao pai (já que era a chefe da brincadeira) que ele escolhesse uma de nós para beijar e tornar a viver. Complexo de Electra, ou Édipo Feminino, como preferia Freud, à parte, a verdade é que eu e ele ficamos tensos por alguns segundos sem saber que atitude tomar. Ele escolheria Eu, e daria a ela os poderes irreais já que eu sou a esposa, ou daria a Ela a vitória escolhendo-a e provocando sentimentos ilusórios, já que cabe aos pais a missão de poupar os filhos de papéis invertidos que não lhes cabem???

A agonia durou milésimos de segundos até que ela própria veio nos ‘salvar’ desse embaraço. Foi quando disse: “já sei, pai. Beija as duas, afinal, um príncipe pode ter duas princesas, não pode?!? Em todo lugar tem mais princesas do que príncipes e a gente pode dividir né, mamãe??? “A brincadeira não parecia ter fim e quando já era hora de dar aquilo por encerrado, nos sentimos tão, ou mais, constrangidos do que no começo. Naquele momento, reviramos as memórias interiores em busca dos ensinamentos de todos os livros de Shinyashiki, Gisela Preuschoff e Roseli Sayão que devoramos ao longo da vida, mas nada veio à mente.
Foi então que comecei a refletir como ela chegou àquela conclusão. Será que tinha ouvido desabafo demais de minhas amigas solteiras com as quais filosofo todos os dias sobre o (sofrível) papel dos homens? Seria na escola (a ‘culpa’ sempre é daquele amiguinho mais pra ‘frentex’), ou na televisão? A verdade é que nós mulheres já tomamos por hábito reclamar do papel dos homens, seja na fila do mercado, no salão de beleza, ou na sala de terapia. Nos esquecemos que “não existe vítima e vilão” (como diz uma amiga terapeuta) e se a relação entre os sexos está mudada, temos sim papel fundamental nesta inversão de valores. Queremos ser cuidadas mas não deixamos transparecer a falta de jeito nenhum. Eles por sua vez, bem que queriam ser provedores, mas como estar à altura desta espécie que se supera a cada dia e dá conta de tudo? A verdade é que li certa vez que nós mulheres (representadas é claro por uma feminista poderosa) optamos pela mudança, pela liberdade de expressão, pela igualdade entre os sexos.. mas e eles? Que hora tiveram direito de levantar a mão e falar o que realmente queriam? Pois, na minha humilde opinião, o erro é lutarmos pela igualdade entre os sexos. Somos sim, muuuito diferentes, e são essas diferenças que dão charme e graça aos relacionamentos, sejam eles no trabalho, na vida social ou amorosa.
Ah! E como acabou a brincadeira? Com a mamãe fingindo ter vontade de ir ao banheiro, salvando o papai daquela decisão tão difícil e constrangedora e dando fim ao suplício que tivera início de forma tão inocente. No dia seguinte, numa consulta de rotina a uma psicanalista, ela me esclareceu que a brincadeira tinha que ter chegado ao fim com o pai escolhendo beijar a mãe e a filhinha indo encontrar dentro dela mecanismos para lidar com a frustração. Também questionei a ela se não seria melhor deixarmos de lado as fantasias dos contos de fadas (como se isso fosse possível numa casa habitada por meninas) já que os tempos mudaram muito. E sabe o que ela me respondeu? “Que as fantasias sempre deverão existir, mesmo que sejam como fantasias, afinal, são elas que nos ajudam a moldar nossos sonhos e nos fortalecer para enfrentar a vida real, por mais contraditório que isso possa parecer.” Claro que a explicação foi bem simplista, já que ela estava falando com uma leiga no assunto.
Moral da história? Cada situação, embaraçosa ou não, deve provocar na gente uma vontade de aprender e refletir sempre. Mesmo que nunca cheguemos a conclusão nenhuma. Afinal, como dizia o ilustríssimo Veríssimo: “quando a gente tem uma resposta, a vida vem e muda a pergunta.”
*Tatiana Ratier, jornalista, publicitária, esposa, dona de casa, mãe de Ana Clara, 4 anos, e madrasta de Mateus, 18 anos
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